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sábado, 11 de janeiro de 2014

Terá Pataias origem num importante povoado romano?

Borges de Figueiredo, bibliotecário da Sociedade de Geografia de Lisboa, levantava, em 1889, a hipótese de a Eburobritium descrita por Plínio poder estar localizada em Pataias e não em Évora de Alcobaça ou em Alfeizerão.
Essa hipótese foi levantada num artigo da Revista Archeologica editada pela Real Academia de Ciências, que seguidamente se transcreve (no português original à época).

Talvez mais significativo que esta mera hipótese, e o relato da existência de diversas colunas, provavelmente de origem romana, na Mata de Pataias e no Camarção, da Mélvoa até ao mar, de que não conheço outros registos ou referências.

O artigo original:
Borges de Figueiredo, A.C. (1889) Antiguidades de Pataias, Revista Archeologica, Vol.III, Typographia da Real Academia das Sciencias, Lisboa, pp.20-23

ANTIGUIDADES DE PATAIAS

Uma folha manuscripta avulsa encadernada com outros documentos  que pertenceram ao monge de Alcobaça fr. Manuel de Sá, contêm uma declaração ou relação de antiguidades certamente romanas, escripta por pessoa ignorante, em má calligraphia e péssima orthographia.
Eis o que diz essa relação, correcta a orthographia e devidamente pontuada:
1. «No sitio chamado antigamente a Matta de Pataias, e hoje presentemente o Coito das Pipas, se acha uma colunma de pedra branca lavrada e roliça; porém esta agora não se vê pelas muitas inundações de areia que a cobrem; mas agora próximo (há pouco tempo) se tem visto. Tem de grossura quanto pode um homem abranger com os braços; a altura que se lhe verifica serão quatro palmos de fora do centro da terra; tem em cima feita na mesma colunma uma cruz; e dizem ter lettras, porém se não podem ver, e só descobrindo o tempo a areia.
2. «Discorrente pela mesma direitura para o mar, no meio do camarsão se acha, em um oiteiro muito elevado, a cabeça de outra colunma de pedra lavrada e roliça, com unia cruz na cabeça; tem de comprido um palmo pouco mais ou menos, e de grossura em redondo três palmos. Chamam a este sitio … … [espaço em branco no original]. E não se pode descobrir onde está o corpo desta columna; porém, mostra-se que alli era o sitio, pouco mais ou menos, por estar em direitura ás mais e do mesmo feitio da da Matta de Pataias.
3. «Descobre-se mais outra columna quasi roliça em direitura das que ficam ditas, e em direitura ao mar. Tem fora da terra um palmo e meio, e de grosso três palmos.
4. «Discorrendo na mesma direitura entre Nossa-Senhora-da-Nazareth e Nossa-Senhora-da-Victoria e Muel, á borda do mar, se descobre uma columna de pedra lioz e roliça para a ponta; mas com suas faltas da continuação do tempo, pelo antiquíssimo tempo que mostra foi posta
naquele logar. Tem de comprido três palmos e meio, e de grosso três palmos pouco mais ou menos. Não se verifica cruz em cima, por ter a cabeça quebrada; e só do um lado ainda com custo se verifica teve lettras de conta.
5. «Descobre-se outra columna no sitio quasi em direitura da Melva e Matta de Pataias, confinando com os Pisões. Tem de grosso na cabeça sete palmos, e no pé quatro palmos de grosso; está quebrada pelo pé, e sn a cabeça está de fora da terra. Tem de comprido fora da
terra pé e cabeça quatro palmos».
Eis o que diz a declaração, que dividi em paragraphos numerados para maior facilidade de interpretarão. Como se vê, o noticiador ignorante e despretencioso, melhor decerto do que qualquer petulante escrevinhador, revela-nos bem que espécie de columnas eram as da matta de Pataias. Por pé intende-se o fuste, e por cabeça o capitel. A expressão columna. . . lavrada e roliça indica-nos ainda que restava uma parte do foste; e todo o capitel. A cruz em cima feita na mesma coluna, ou (como o declarante se expressa noutra passagem) na cabeça, é simplesmente o ábaco do capitel corinthio vasado nas suas quatro faces.
Passemos agora á classificação das columnas, seguindo a ordem dos paragraphos:
1.ª columna de quatro palmos de alto; grossura—quanto pode um homem abranger com os braços.
2.ª columna de cerca de um palmo de alto; grossura—três palmos.
3.ª columna de palmo e meio de alto; grossura—três palmos.
4.ª columna de três palmos e meio de alto; grossura—cerca de três palmos.
5.ª columna de quatro palmos de alto; grossura—(no capitel) sete palmos e um fuste) quatro palmos.
Todas as cinco columnas seriam eguaes? A divergência das medidas é talvez, só apparente porque:
a 2ª e a 3ª tinham três palmos de grossura;
a 4ª tinha cerca de três palmos, mas tinha maior porção de fuste a descoberto:
a 5º tinha de grossura no fuste quatro palmos, mas estava quatro palmos fora da terra: no capitel media de grossura sete palmos;
a 1ª tinha de grossura quanto um homem pode abranger com os braços, o que nos leva a considerar esta medida como tomada no capitel, vindo assim a corresponder aos sete palmos (cerca de 1m,50) da grossura do capitel da 4ª columna.
Ha ainda a ponderar por um lado, que as medidas foram tomadas approximadamente segundo se colhe do modo de dizer do declarante; e,por outro lado, que este affirma que a columna 2ª é do mesmo feitio que a 1ª.
Que as columnas eram da ordem corinthia, deduz-se isso (além da expressão cruz já notada) de se dizer que ellas eram lavradas e roliças. Roliço, o fuste; se este tivesse canneluras, não deixaria de o notar de algum modo o declarante. Lavrado, o capitel; corinthio sem dúvida, cujas folhas de acantho estavam quebradas, parecendo assim os seus restos aos olhos inexpertos do informador, simples lavores.
No que respeita a elle notar que dizem ter lettras a columna 1ª e que com. custo se verifica que leve letras de conta a 4ª no capitel, é isso um equivoco de pessoas ignorantes que nas linhas subsistentes dos folhareus suppunham ver vestígios de lettras, que a imaginação popular encontra sempre nos antigos monumentos.
No esboço topographico junto, se pode calcular qual a disposição em que as columnas estavam collocadas; a 5ª confinava com os Pisões e as outras seguiam-se-lhe na direcção do mar, numa longa extensão, que se poderia avaliar nuns dez kilometros, se acaso a costa, como é muito de presumir (e futuros estudos determinarão) não era naqueles sitios muito concava.
É impossível, pelo que se sabe das coIumnas, determinar qual o seu destino; mas deve-se excluir toda a idéa de templo, e, apezar da igualdade das dimensões das columnas, consideral-as como pertencendo a mais de um edifício. A columna 2ª, embora estivesse na mesma direitura, não pertencia ao mesmo edifício que a 1ª, 4ª e 5ª, pois estava situado num oiteiro muito elevado; mas talvez formasse grupo com a columna 3ª. A columna 4ª parece também que estava muito afastada das outras para pertencer ao mesmo edifício que ellas. Poder-se-hia
pois dar o caso de as columnas 2ª e 3ª serem de um templo situado no alto de uma collina, e as restantes pertencerem a vários edifícios da região baixa circumstante. Não se pode admittir (sobretudo sendo infundada a opinião de um sinus naquelle sitio, o que não creio) que todas
ellas pertencessem a um templo, ou a uma galleria, pois que nesse caso seria esta de dez kilometros de extensão, o que é inacreditável.
Eis tudo o que julgo poder apurar-se da imperfeita declaração anonyma, á qual todavia se não pode recusar inteira veracidade por ser escripta por pessoa insipiente e que nenhum interesse podia ter em inventar o que refere. Pode até assegurar-se que a declaração não pode ser obra de um falsado, porque, nesse caso não seria tão ingénua.
Não terminarei esta noticia, sem fazer algumas considerações que me não parecem fora de propósito.
As povoações mencionadas por Plinio ao descer a costa da Lusitânia, abaixo de Conimbriga (Condeixa-a-Velha) são Collipo (que se identifica como S. Sebastião de Freixo, ao pé de Leiria), e Eburobritium (que é identificada por uns com Évora de Alcobaça, e por outros com Alfeizirão). A identificação não tem sido comprovada com documentos epigraphicos, pois que o facto de apparecerem em Évora de Alcobaça e em Alfeizirão inscripções romanas, não é prova sufficiente, por se encontrarem a cada passo por toda a parte monumentos taes. Ora, verificando-se a existência de monumentos architectonicos em Pataias, e tão importantes que parecem restos de populosa povoação não é arriscada a opinião de que este local pode disputar a Alfeizirão e a Évora de Alcobaça a posse das ruinas de Eburobritium. Podem objectar
os propugnadores de Évora que esta designação parece conservar o primeiro termo do composto nome latino; mas essa objecção nenhuma força tem, porque esse nome Ebora, com maior ou menor variante, se encontra designando muitas povoações da Hispânia, e particularmente da Lusitânia. Infelizmente, não tendo Plinio, unico escriptor da antiguidade que nos conservou menção de Eburobritium, dado indicação bastante para a sua localisação exacta, continua a mesma ignorância que até hoje tem havido do seu local, ficando a solução do problema dependente de futuras descobertas.
Borges de Figueiredo

1 comentário:

  1. Humberto Sousa Santos comentou via e-mail, que aqui se transcreve:

    Boa noite, Paulo
    Li o artigo que colocaste no Sapinho e achei-o interessante apenas num pormenor: o do manuscrito ter sido encontrado numa pasta de um monge de Alcobaça, chamado Manuel de Sá. O que pode significar ter sido este frade o responsável pela verificação das ditas colunas, ás quais passarei a chamar-lhes marcos. A disposição destes marcos, em linha recta desde os Pisões até ao mar, na minha opinião, não são mais do que a delimitação do limite norte dos Coutos de Alcobaça, colocados pelos frades, na altura em que os mesmos mantinham uma luta pela posse da Pederneira, cuja ocorrência teria acontecido nos finais do século XII ou na primeira metade do século XIII, com base nos estudos apresentados pelo medievalista Rui de Azevedo e corroborado por Pedro Barbosa.
    O facto de se referir que o manuscrito teria sido elaborado por pessoa de pouca cultura, com erros ortográficos, pode significar uma verificação aos ditos marcos a mando do frade Manuel de Sá. A verdade é que pelos limites extremos da referida linha dos marcos, que um está nos Pisões e no enfiamento da Mélvoa e o outro junto ao mar, condiz com a descricção da última parte, da célebre escritura dos limites dos Coutos: ....e passa por Melva até à mata de Pataias e daí até ao mar, entre Pederneira e Muel.
    Não sei em que altura o referido Manuel de Sá viveu, mas é suposto que tenha sido depois do século XVI, tendo em conta que foi neste século que ocorreram as grandes movimentações de areias, pois só assim se pode compreender que parte dos marcos estavam cobertos por elas, e sem se poderem achar, como é referenciado,no entanto sabiam que eles ali tinham sido postos. Tudo o mais não faz sentido.
    Cumprimentos

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